28 janeiro, 2018

O avesso é o lado certo

resiliência
substantivo feminino
  1. 1.
    fís propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica.
  2. 2.
    fig. capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.



  3. Sou feita de palavras e muitas dessas carrego gravadas na pele. Resiliência  sempre me encantou, palavra forte e de significado transformador. Até pouco tempo não me dava conta do poder dessa palavra na vida de nós, mãe e mulheres.
  4. Por anos carreguei o mundo nos ombros e achava que era uma carga leve, mas eu não sabia que quando adicionamos o peso aos poucos nos adaptamos e vamos levando como se não fizesse diferença. Mas faz. E fez. 
  5. Nos últimos anos me vi resolvendo todos os problemas do mundo, muitas vezes saía de madrugada para ajudar outras mãe enquanto meus filhos ficavam aos cuidados de terceiros ou do pai. Ao finais de semana fotografava famílias felizes enquanto a minha desabava por minha falta, não só corporal, mas em todos os âmbitos. Minha cabeça não estava em lugar nenhum e fracassei em tudo o que fiz. Não fui uma boa mãe, não fui boa esposa, fui uma profissional relapsa, uma péssima filha, a amiga ausente e a uma pessoa feita de metades. Não fui inteira em nada que fiz por anos. Sem querer me assisti afundar. Primeiro minha relação familiar, depois meu casamento e por último minha carreira. Eu queria que tudo acabasse, porque a pressão me doía na alma,  mas uma dor racional. Eu sabia de onde vinha e sabia que havia duas opções para que ela finalizasse, a mais fácil e a mais difícil. Eu poderia encarar cada um daqueles problemas de frente e resolver um a um, o que levaria anos de muita luta interna e com o mundo. Eu não consegui. Decidi dar fim ao que, pra mim, era um problema para os outros. Mas mal sabia que era só o começo do que realmente estava por vir.
    Conheci várias pessoas com síndrome do pânico ao longo da minha vida e sempre achei que fosse exagero o que essas pessoas relatavam. Ignorância, hoje eu sei. Sei porque vivi e ainda vivo isso. Comecei a temer meus problemas, as pessoas, o mundo. Até que me vi sem conseguir sair do meu quarto. A campainha me assustava, o interfone tocando era pavor. Eu não conseguia chegar na sala da minha casa, ir até a cozinha era uma tortura. Não atendia telefone, não ouvia áudios e não lia mensagens. Eu, logo eu; a pessoa que amava ser cercada de gente na alegria e na tristeza. Eu tinha medo de mim. Falo no passado pois sei que essa pessoa não sou eu. Eu não sou a pessoa que me tornei e nem serei. Acreditem quando alguém falar em desespero, é um auto boicote, a sua cabeça brigando com seu corpo. Sua mente não obedece, seu corpo não obedece. Cada dia em que se acorda e os pulmões se enchem de ar, é uma grande vitória. E não é exagero. Não é exagero meu e nunca foi exagero por parte de todos em que eu não acreditei - peço perdão, amigos, vocês são guerreiros. Mas é preciso falar das sombras, assim como é preciso espalhar amor. E no meio disso tudo, fui porto de amor e ódio. Todo tipo de mensagem chegou aos meus olhos e meu corpo não respondeu a nenhuma. Mas eu vi - e vejo - o quanto amor pode ser palpável.
    Por meses minha vida parou. Minha casa do mesmo jeito do dia que me mudei, meu trabalho também. Mas minha cabeça não. Nesse tempo de sombras me fiz filtro. Hoje consigo ver com clareza as intenções das pessoas para comigo e com a vida. Sei quem faz morada de sentimentos bons e gratidão passou a ser palavra de ordem em meus dias. A cada 50 mensagens que - ainda - não consigo responder, chega uma amiga na minha casa com uma comida feita em casa, uma criança para me alegrar, um abraço, carinho e companhia. Por meses me vi parada no plano físico, mas com uma revolução interna. Hoje só quero ser inteira, só quero o que for intenso e verdadeiro, quero clareza de sentimentos e, principalmente, quero conseguir dissolver essa bola de neve.
    A vida não parou diante  dos meus problemas, o mundo não para. Sei que cada passo é um salto, sei que quero tudo em seu devido lugar e sei que isso pode demorar anos, mas o que vale é minha força para trabalhar e mudar essa posição em que me coloquei. E só se muda isso enfrentando de frente cada questão. Não é fácil, não será fácil. E quem disse que seria?
    Diante de tudo isso me vejo com 60 anos a mais. Amadureci. Enxerguei com clareza o que realmente importa: meus filhos, minha família e meu bem estar. A cada crise de pânico, me apego no amor que recebo. Me virei e me revirei. E nessa reviravolta de desapegos, me desprendi de mim mesma e descobri que meu avesso, sem dúvida, é meu lado certo.

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